Friday, November 07, 2014

Festins ou pão seco ?




"Mais vale um bocado de pão seco com tranqüilidade, do que uma casa cheia de festins e brigas." 
 ( Provérbios 17:1) 

Este versículo estava colado na parede da casa dos meus tios e avó, antes de reformarem a cozinha. Toda vez que tínhamos almoços de domingos eu me deparava com aquele escrito na parede e refletia nessa metáfora da casa cheia de festins, e eu na minha adolescência não entendia bem, como um lugar cheio de festividades e com brigas podia ser ruim, a troco de alguém trocar por um pedaço de pão seco. O ato de dividir é um símbolo do cristianismo, a instituição cristã e igreja primitiva surgiu no momento em que cristo partiu o pão e deu aos seus amigos, e neste ato antropofágico mostrou o significado da fé que muitos iriam comungar anos depois. Mais que uma doutrina, o ato de dividir comida tem tomado muitos significados, e os meus preferidos é quando ela estabelece a união entre as pessoas e do poder ritualístico das comidas. Dividir o alimento em uma data, para que essa data se marque, datas ou momentos, ritos de passagens. Em praticamente todas as culturas o ato de comer é uma metáfora, no sentido que comer é pegar parte do outro e colocar em si mesmo, os primeiros índios que aqui viviam praticavam desse anseio: "a prática, conforme afirmam antropólogos e arqueólogos, era encontrada em algumas comunidades ao redor do mundo. Foram encontradas evidências na África, América do Sul, América do Norte, ilhas do Pacífico Sul e nas Caraíbas (ou Antilhas). Na maioria dos casos, consiste num tipo de ritual religioso/mágico como uma forma de prestar seu respeito e desejo de adquirir as suas características". 
Nos tempos atuais comer não passa de acessório prático, imbuído do intuito de causar riso ou humor, melhorar o humor para uma partida de futebol, humor para ver televisão, ou não tem sentido algum, carregando o objeto de saciedade que ela deve propiciar quando se está com fome. O homem moderno pratica duas ações combinadas com a de se alimentar: come é vê tv, come e joga video game, come e conversa, come e usa o facebook, come e troca fraldas, come e toca violão, come e joga futebol ( sim eu já presenciei isso), come e faz sexo... 
Lembro de manhã mãe que sempre nos abordava diante da televisão e avisava com voz firme :  "Não pode comer na frente da televisão". 
Hoje eu aprendi, cresci e entendi o motivo dos pais precisarem de ser tão persuasivos quanto repetitivos, e acreditarem no que estão ensinando. Minha mãe acreditava fielmente que comer na frente da televisão não era um ato saudável, e eu anos depois pude concordar com ela, afinal de contas o que há de saudável em comer e não saber que está comendo, ou não dar significado para o que estou comendo.Crente nas aspirações cristãs, ela ensinava do jeito que Jesus acreditava, que se deve ritualizar a comida, se deve elevar as ações. Momentos sem significado, transforma uma vida sem significado. 
Quando era mais jovem, alguns amigos e eu fazíamos algo como o que Jesus fazia, com menos vinho, por incrível que pareça. Minha casa era uma constelação de bons momentos, celebrados com a dignidade da comida. 
Hoje temos lares, e vemos pessoas próximas, vivendo com tanto o que comer, mas muitas vezes há guerras nesses lares, há conflitos que deixam esses alimentos amargos, ou mesmo o lar cotidiano que muito de nós vivemos, nos fazem perder o significado do alimento, que é o de nunca comer só, pois uma mesa com muita comida e apenas uma pessoa é o mesmo que passar a vida inteira sem se dividir.

Alan Caeiro